”Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também. Jo 14.2-3”

quinta-feira, 21 de julho de 2011

CARTA PARA RAIZA

Pai escreve à filha morta e pede forças para afastar sentimento de vingança20/07/2011 | 15h30min

“Imperfeito e relapso pai aqui da terra”. Foi com essa frase que o policial federal Deusimar Guedes assinou uma carta que ele escreveu para a filha Raiza Guedes, que morreu manhã do sábado passado, depois de ter sido vitima de um acidente na Avenida Epitácio Pessoa durante a madrugada daquele dia fatídico. Ele lembra que apesar dos pouco mais de 17 anos que viveu na terra, não teve tempo para dizer tudo o que queria e por isso resolveu escrever a carta.

Na carta ele pede desculpas por não ter mostrado a ela que na terra existem “ervas daninhas” e faz a ela um a promessa, de continuar trabalhando em busca de um mundo melhor. Deusimar pede que Raíza interfira junto a deus para manter o coração dele brando, afastando dele sentimentos como a vingança, alimentado pela sensação de injustiça. Veja abaixo na integra, uma carta escrita por um Pai cuja filha foi “morar com deus”.

CARTA PARA RAIZA

Raiza meu amor!

Só hoje estou lembrando que nestes seus mais de dezessete anos de vida na terra eu nunca lhe escrevi uma carta. Assim resolvi me comunicar com você desta forma, talvez antiquada para o mundo atual onde as pessoas se comunicam com equipamentos eletrônicos de tecnologia moderna como: computadores portáteis, telefones móveis e similares.

Mesmo assim insisto em escrever-lhe esta carta para lhe dizer coisas que o dito mundo moderno não nos dá tempo para dizer, pois os pais e mães da modernidade precisam trabalhar mais de uma dezena de horas por dia para suprirem seus desejos de consumo desenfreado imposto pelo capitalismo selvagem, onde o “TER” é bem mais importante que o “SER”, e assim as relações humanas, mesmo entre os familiares e entes queridos são sempre momentâneas e voláteis.

Desta forma, descrevo nesta carta algumas coisas que não tive tempo de lhe dizer.

Só agora percebo querida filha Raiza, quantos caminhos desta vida eu não pude lhe mostrar.

Porque você partiu tão cedo meu anjo? Dizem que foi Deus que a chamou para assessorá-lo lá no céu. Mas ele não me emprestou você para que eu pudesse educar? Diga pra Deus que apesar de eu ter lhe ensinado a não fazer uso abusivo de drogas, a respeitar o próximo, a escolher bem as companhias, a não dirigir antes dos dezoito anos, a jamais cruzar o sinal vermelho no trânsito etc, eu ainda não tive tempo de lhe dizer que, apesar de agirmos sempre de acordo com estes ensinamentos e amar o próximo, existem pessoas que desrespeitam o próximo, que abusam de drogas lícitas e ilícitas, que dirigem embriagados, que avançam o sinal vermelho, que atropelam e matam pessoas inocentes quando do retorno das suas orgias noturnas. Perdão minha filha, porque apesar de ter lhe feito acreditar que o mundo é dotado de mais trigo do que joio, no nosso Brasil, muitas vezes os trabalhadores responsáveis pela retirada do joio do meio do trigo falham, e consequentemente o bom e saudável trigo é injustamente destruído.

Perdão meu amor, por ter me esquecido de lhe advertir sobre a constante presença de ervas daninhas, mesmo num plantio de propriedade de Deus. Prometo que continuarei lutando para cumprir o que lhe ensinei e prometi, ou seja, a busca de um mundo melhor, mais justo e mais humano, onde o joio não continue destruindo e sufocando o trigo.

Devo dizer que não está sendo fácil, é uma luta desigual. Assim, já que você está ai no céu, fale com Deus, e diga-lhe que preciso de forças para enfrentar o momento mais triste da minha vida, pois além do luto da partida precoce de minha amada filha “caçula”, ainda tenho que manter o coração brando e não alimentar o sentimento de vingança tão presente em nós imperfeitos seres humanos, sentimento este muitas vezes alimentado pela sensação de injustiça reinante aqui na terra.

Nunca esqueça que te amo. Saudades sem fim.

Assinado: seu imperfeito e relapso pai aqui da terra.


PS: homenagem a minha filha Raiza, morta por um reincidente assassino do trânsito no dia 16.07.2011, em João Pessoa/PB.